Vamos ter uma das conversas mais importantes e espinhosas para o futuro da nossa arte: a regulamentação da profissão de tatuador. De tempos em tempos, o assunto volta aos holofotes. Projetos de lei são propostos, debates se acendem, e a promessa é sempre a mesma: trazer mais segurança, reconhecimento e profissionalismo para o nosso setor. À primeira vista, parece um sonho. Quem não quer ser mais respeitado e ter um mercado mais seguro? Mas, como em toda promessa de ordem e progresso, existe um detalhe crucial nas entrelinhas que muitos ignoram: a quem essa regulamentação realmente serve?
Eu, como você, saí de uma carreira tradicional em busca da liberdade que a tatuagem proporciona. A liberdade de ser meu próprio chefe, de fazer meus próprios horários, de viver da minha arte. É um caminho difícil, mas é uma escolha por um estilo de vida. E é exatamente aqui que a minha inquietação começa. Será que a regulamentação, com suas regras, conselhos e exigências, não seria a criação de um “cabresto” para uma profissão que nasceu da contracultura e da liberdade? A pergunta que precisamos nos fazer é: estamos lutando por mais segurança ou corremos o risco de engessar nossa arte e nos afastar da essência do que amamos fazer?
O Argumento a Favor: A Busca por Segurança e Padrão de Qualidade
É inegável que a intenção por trás da maioria dos projetos de lei é positiva. O principal argumento dos defensores da regulamentação se baseia em dois pilares:
- Segurança para o Cliente: O objetivo seria estabelecer um padrão mínimo de biossegurança e higiene, exigindo que todos os profissionais tenham uma formação certificada sobre prevenção de doenças, esterilização e primeiros socorros. Isso, em teoria, protegeria o público de “açougueiros” e de estúdios clandestinos sem as mínimas condições sanitárias.
- Reconhecimento da Profissão: Com a regulamentação, o tatuador deixaria de ser uma profissão “marginalizada” aos olhos da lei e passaria a ter direitos como aposentadoria especial (devido à insalubridade), piso salarial e a possibilidade de criar um conselho de classe para fiscalizar a ética profissional.
Esses pontos são válidos e desejáveis. Um mercado com um padrão sanitário elevado é bom para todos. A questão não é se esses objetivos são bons, mas se a regulamentação estatal é a única ou a melhor forma de alcançá-los.
O Lado Sombrio da Burocracia: O Risco do “Cabresto”
É aqui que minha preocupação, e a de muitos artistas, reside. A história de regulamentações de profissões no Brasil tem exemplos que nos servem de alerta. Sim, sua pesquisa intuitiva está correta. Profissões como a de músico, por exemplo, tiveram a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), que por décadas exigiu uma carteirinha para que o artista pudesse se apresentar profissionalmente, uma medida vista por muitos como um “cartório” burocrático que mais atrapalhava do que ajudava. O portal do Senado Federal já documentou a longa e polêmica história da OMB.
Os riscos de uma má regulamentação para a nossa área são enormes:
1. Engessamento da Formação e da Arte
Quem definiria o que é um “curso de formação obrigatório”? Um conselho formado por quem? E se esse curso focar apenas em técnicas básicas e ignorar a diversidade de estilos? A tatuagem é uma arte que se aprende com a prática, com a troca, com o aprendizado em estúdio. A imposição de um “diploma” poderia criar uma barreira de entrada para talentos autodidatas e engessar a inovação, transformando a formação em um mero mercado de certificados.
2. Reserva de Mercado e Aumento de Custos
A criação de um conselho profissional inevitavelmente vem acompanhada de anuidades e taxas. Isso pode se tornar um fardo financeiro, especialmente para o artista iniciante. Além disso, a burocracia pode criar uma reserva de mercado, onde apenas os estúdios maiores e com mais recursos conseguem se adequar a todas as exigências, sufocando os pequenos artistas e os home studios.
3. O Tatuador “Empresário” vs. o Tatuador “Artista”
Sua preocupação é o cerne da questão. Uma regulamentação excessiva nos forçaria a gastar ainda mais tempo e energia com burocracia, papelada e adequação a normas, nos afastando da bancada, da prancheta de desenho e da nossa essência artística. O risco é nos transformarmos em meros gestores de licenças, perdendo a liberdade que tanto buscamos.
Existe um Caminho do Meio? Autorregulamentação e Educação
Então, se a regulamentação estatal é um risco, qual a alternativa? Talvez a resposta não esteja em mais leis, mas em mais **educação e autorregulamentação**. O próprio mercado, quando maduro, tende a criar seus próprios selos de qualidade. Associações de tatuadores fortes, a promoção de workshops de biossegurança e a conscientização dos clientes são ferramentas poderosas para elevar o nível do setor.
Um cliente bem informado, que sabe o que cobrar de um estúdio em termos de higiene (graças a conteúdos como os do nosso portal), é o melhor fiscal que existe. Ele não vai se arriscar em um lugar duvidoso. Um mercado que se autorregula, com artistas que buscam conhecimento por conta própria em gestão e profissionalização, tende a ser muito mais dinâmico e livre do que um mercado controlado por um conselho estatal.
Em suma, a discussão sobre a regulamentação da profissão de tatuador é complexa. A busca por segurança é legítima, mas o preço dessa segurança não pode ser a nossa liberdade artística e o nosso estilo de vida. Talvez o caminho não seja pedir que o “Estado” nos controle, mas sim assumirmos, como comunidade, a responsabilidade pela nossa própria excelência. O profissionalismo não se impõe com uma lei, se constrói com educação, ética e, acima de tudo, com o respeito profundo pela arte e pela pele do outro.
Qual é a sua posição nesse debate? Você é a favor ou contra a regulamentação? Quais seriam os benefícios e os perigos na sua opinião? Compartilhe sua visão nos comentários. Esta é uma conversa que precisa da voz de todos nós.