Pra gente trocar uma ideia sobre um assunto que tem gerado muita conversa, vídeos virais e, na minha humilde opinião, uma boa dose de preocupação: o tal do fechamento de tatuagem com anestesia. Sabe aquela onda de cobrir grandes áreas do corpo, como braços ou costas inteiras, em sessões únicas e extensas, muitas vezes com o cliente sob efeito de anestésicos potentes para “não sentir dor”? Pois é, a promessa de um “atalho” para o corpo dos sonhos tem atraído muita gente. Mas será que essa pressa toda compensa? E o que a gente perde quando transforma a jornada da tatuagem, que é um ritual, uma experiência, em algo puramente estético e instantâneo?
Portanto, antes que você se empolgue com a ideia de “acordar tatuado” sem sentir uma picadinha sequer, quero te convidar para uma reflexão mais profunda. Afinal, como um defensor da tatuagem como forma de expressão pessoal e como um processo que envolve superação e significado, tenho minhas sérias ressalvas sobre o uso de anestesia em grandes projetos de tatuagem e sobre essa busca por resultados imediatos. Vamos botar na mesa os riscos, as implicações e, principalmente, questionar se não estaríamos trocando a beleza de construir uma história na pele, aos poucos, por uma satisfação momentânea que pode, sim, virar arrependimento. Prepara a mente, que o papo vai ser denso!
Anestesia na Tatuagem: Um Recurso ou um Risco Desnecessário?
Primeiramente, é crucial diferenciar o uso de pomadas anestésicas tópicas de baixa concentração (que têm um efeito limitado e são usadas por alguns para aliviar o desconforto inicial em áreas pequenas) do uso de anestésicos injetáveis ou sedação realizados por profissionais NÃO médicos em ambientes NÃO hospitalares para sessões longas de fechamento de tatuagem. E é sobre este último que mora o perigo e minha principal crítica.
Como tatuadores, nossa expertise é a arte na pele, a técnica de aplicação, a biossegurança do nosso material e ambiente. Não somos médicos, anestesistas ou enfermeiros. A administração de anestésicos potentes, especialmente aqueles que requerem monitoramento ou que podem ter efeitos sistêmicos, envolve riscos sérios:
- Reações Alérgicas Graves (Anafilaxia): Uma pessoa pode ter uma reação alérgica severa a um componente do anestésico, necessitando de intervenção médica imediata.
- Toxicidade Sistêmica: Doses excessivas ou absorção rápida do anestésico podem levar a problemas cardíacos, neurológicos e respiratórios.
- Mascaramento da Dor Excessiva: A dor é um sinal do corpo. Se o tatuador está pesando demais a mão ou causando um trauma excessivo na pele, a anestesia pode impedir que o cliente perceba isso, levando a uma cicatrização pior ou danos à pele.
- Complicações na Cicatrização: Alguns anestésicos podem interferir no processo de cicatrização da pele ou na fixação do pigmento.
- Falta de Estrutura para Emergências: Estúdios de tatuagem não são clínicas ou hospitais. Não temos equipamentos de ressuscitação ou a equipe médica necessária para lidar com complicações anestésicas graves.
Em resumo, o risco do uso de anestesia na tatuagem por profissionais não habilitados para tal é altíssimo e, na minha visão, desnecessário, pois banaliza um procedimento que deveria ser focado na segurança. A tatuagem, tradicionalmente, envolve algum nível de desconforto, e isso faz parte da experiência e do respeito pela modificação corporal.
O “Fechamento Relâmpago”: Pressa, Modismo ou Falta de Conexão com a Arte?
Além da questão da anestesia, essa febre de querer fechar grandes áreas do corpo com tatuagem de uma só vez me faz questionar a relação que as pessoas estão construindo com a própria arte na pele.
- A Tatuagem como Consumo Imediato: Parece que, para alguns, a tatuagem virou mais um item de “moda” a ser adquirido rapidamente, como uma roupa nova. O desejo de ter o “braço fechado” ou as “costas prontas” para o próximo verão parece se sobrepor ao processo de escolha, à conexão com o artista e ao significado da obra.
- Risco de Arrependimento e Enjoo: Um projeto de fechamento é um compromisso visual enorme. Fazer tudo de uma vez, muitas vezes com um tema único ou um estilo que está em alta no momento, aumenta significativamente o risco de você enjoar daquela imagem daqui a cinco, dez anos. Será que aquela tendência de hoje ainda vai te representar amanhã?
- Perda da Jornada e do Significado Pessoal: Uma das belezas da tatuagem, para muitos de nós, é a história que cada peça conta. Tatuagens feitas em diferentes momentos da vida, com diferentes artistas, representando fases, paixões, superações… Elas se tornam um mapa da nossa trajetória. Ao optar por um fechamento de tatuagem de uma única vez, muitas vezes se perde essa oportunidade de construir uma coleção de memórias na pele.
Sendo assim, questiono se essa busca pelo “resultado instantâneo” não estaria esvaziando um pouco da alma e da profundidade que a tatuagem pode ter.
A Beleza de Construir Sua História na Pele, Tattoo por Tattoo
Em contrapartida à pressa dos fechamentos anestesiados, existe a filosofia de construir sua “coleção” de tatuagens ao longo do tempo. E, na minha opinião, é aí que reside uma magia especial:
- Tatuagens como Capítulos da Sua Vida: Cada tattoo pode representar um momento, uma paixão, uma conquista, uma lembrança. Ao olhar para seu corpo, você não vê apenas um desenho, mas um diário visual da sua jornada.
- Evolução do Gosto e do Estilo: Nossos gostos mudam. Ao fazer tatuagens menores e espaçadas, você permite que sua coleção evolua com você, explorando diferentes estilos e artistas ao longo dos anos.
- Conexão com Diferentes Artistas: Cada tatuador tem sua pegada, sua energia. Colecionar trabalhos de diferentes artistas que você admira enriquece sua experiência e sua pele com diversas expressões artísticas. Nosso guia sobre como escolher um bom tatuador pode ser útil nessa jornada.
- O Ritual e a Superação: Sim, a tatuagem dói um pouco (ou um bocado, dependendo do local e da pessoa). Mas essa superação, esse ritual de passagem, faz parte da experiência para muitos. É uma conquista.
- Menos Risco de Arrependimento Massivo: Se você não gostar tanto de uma tattoo menor feita anos atrás, é mais fácil de conviver com ela, cobrir ou remover do que um fechamento inteiro que já não te agrada mais.
Portanto, antes de buscar o fechamento de tatuagem com anestesia, reflita: você quer um resultado estético imediato ou uma história sendo contada na sua pele, com calma e significado? A jornada pode ser tão ou mais importante que o destino final.
Minha Opinião Sincera (e a de Muitos Profissionais Sérios)
Para mim, Iggor, e para muitos colegas que levam a tatuagem a sério, o uso de anestésicos potentes por não médicos para viabilizar sessões exaustivas de fechamento é irresponsável e descaracteriza a essência da nossa arte. A tatuagem não deveria ser sobre evitar a experiência, mas sim sobre vivê-la conscientemente, com todos os seus rituais e desafios.
Além disso, a pressa em “fechar o corpo” pode levar a escolhas impulsivas e a um resultado que, no futuro, não traga a mesma satisfação. A arte na pele é para a vida toda. Que tal construí-la com a mesma paciência e carinho que dedicamos às coisas que realmente importam?
Claro, cada um tem o direito de escolher o que fazer com o próprio corpo. No entanto, é nosso dever como profissionais informar sobre os riscos e incentivar uma relação mais consciente e significativa com a tatuagem. Para mais informações sobre práticas seguras, consulte sempre fontes confiáveis como o Ministério da Saúde ou associações de dermatologistas sobre os riscos de procedimentos invasivos sem acompanhamento médico.
E você, o que pensa sobre o fechamento de tatuagem com anestesia? Acredita que vale a pena o “atalho” ou prefere construir sua história na pele aos poucos? Deixe sua opinião nos comentários! Essa é uma discussão que precisa de muitas vozes.
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